segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Os primeiros habitantes do Vale do Paraíba

Os primeiros habitantes do Vale do Paraíba

"Os povos indígenas despertam todas as fantasias possíveis e imagináveis: passam a ser encarados com romantismo, receios infundados, exotismo, folclore... Raramente, como seres humanos capazes de realizar, de escolher livremente, de tecer a sua vida, de fazer a sua história e, até, de errar".

Os índios puris habitaram grande parte do Vale do Paraíba concentrando-se principalmente entre as Serras do Mar e da Mantiqueira. Podemos afirmar que os indígenas do Vale do Paraíba entraram em contato com o homem branco acerca do ano de 1587, na exploração comandada por Domingos Luis Grou, uma das primeiras expedições a percorrer o Vale. Porém, em 1562, já existem escassos registros dos índios Puris próximos às margens do Rio Paraíba do Sul. Uma reunião na Câmara de São Paulo, no ano de 1591, refere-se à presença de "gente, no Paraíba, e Guaramirins e os índios do sertão".
Com a abertura do Caminho Novo, a movimentação pelo Vale do Paraíba, inclusive pelas terras da Freguesia da Piedade, intensificou-se. Os brancos adentraram a mata fechada, ocorrendo os embates entre os exploradores e os índios. Os Puris foram descritos como calmos e receptivos por alguns e valentes e armados por outros. De fato, podemos perceber que o homem branco sempre os combateu. Com a exploração das terras, o índio foi, muitas vezes, empregado. Sobre os indígenas, existem os relatos de alguns viajantes e escritores que permitem traçar o perfil deste indígena valeparaibano. Leis cuidavam para que não fossem exterminados, mas, como em toda história brasileira (e nesta região não seria diferente), o extermínio dos indígenas ocorreu. Contudo, a presença indígena no Vale fica clara nos costumes da população e nos traços físicos carregados pelas gerações que aí edificaram suas moradas e, como consequência da miscigenação de raças, deram continuidade à cultura indígena, mesmo que mesclada com a do homem branco.

Localização no Vale


Os índios Puris habitaram em grande parte do Vale do Paraíba: São José dos Campos (como registrado no brasão do município), CaçapavaTaubaté (foi a aldeia fundadora da cidade), GuaratinguetáLorenaCanasCachoeira PaulistaBananal e chegando em áreas de Minas Gerais e Rio de Janeiro (como em Angra dos Reis). Os Puris tinham seus grupos distribuídos desde o Rio Paraíba do Sul até o Espírito Santo, penetrando na parte oriental de Minas Gerais e chegando até a área dos Goitacases, entre o Baixo Paraíba do Sul e Macaé. O território habitado por estes índios eram regiões por onde passavam o Caminho Velho e o Caminho Novo com destino a Minas Gerais. O Caminho Velho era iniciado por Parati, porém, em 1725, o Caminho Novo começou a ser criado, abrindo-se picadas na mata e expulsando-se os índios da região. Dos Puris que habitavam o Vale do Paraíba paulista, podem ser citados os da região de Lorena, a antiga Freguesia da Piedade. Podem também ser citados os puris que habitavam a Garganta do Embaú.
Fonte: wikipedia

Puris no Vale do Paraíba

Os puris foram um grupo indígena, atualmente considerado extinto, que habitava os estados brasileiros do Espírito SantoRio de Janeiro e Sudeste de Minas Gerais. Com a ocupação dos Campos dos Goytacazes pelo latifúndio canavieiro "os bravos morreram e os outros se exilaram nas matas das Minas Gerais", como regiostrou Saint Hilaire. De Cabelos grandes, rasparam a parte baixa do cabelo e passaram a ser chamados de coroados. Os coroados estabeleceram luta contra os puris que buscaram apoio entre os portugueses. Os puris foram os primeiros habitantes do Vale do Paraíba e seus últimos redutos se situaram na nascente do Rio Carangola, onde hoje se situa a cidade chamada Orizânia.
Uma estrada aberta pelos bandeirantes que ia de Taubaté a Campos dos Goutacazes favoreceu o extermínio dessa população. No Vale do Muriaé e no Vale do Carangolasomente remanesceram até o século XX, porque até o século XIX era considerada Zona Proibida, por onde não se podia transitar, sob pena de crime de descaminho.
A nascente do Rio Carangola em Orizânia, situada na serra divisora da Bacia do Doce da Bacia do Paraíba é equidistante do desaguar deste rio no Rio Muriaé, em Itaperuna da cidade que ficava na borda da mata da Zona Proibida, Abre Campo. Tanto para Abre Campo quanto para Itaperuna a distância é de cerca de 50km.

Identidade

Existem descrições sobre os Puris elaboradas por cientistas da época. Existem, também, divergências ou falta de detalhes nos relatos existentes. Os índios Puris são identificados como descendentes dos Coropós e Coroados, ou espécie semelhante a estes, como descrevem os cientistas Von Spix e Von Martius nas expedições realizadas no início do século XIX. Seus aspectos físicos não eram diferenciados das demais tribos. Estes indígenas são mencionados com os seguintes aspectos físicos: baixos ou de estatura mediana, robustos, largos, achatados, pescoço curto e grosso, formas arredondadas, pés largos e dedos grandes, pele macia de cor parda-escura, cabelo comprido liso de cor negra, sem cabelo nas axilas e peito.

Hábitos e costumes

Os Puris poucos se distinguem dos Coropós e Coroados também em seus aspectos culturais. O significado da palavra Puri, em língua tupi, pode ser colocado como "... gentinha ou povo miúdo ou comedor de carne humana (dependendo da interpretação)". Contudo, no Brasil, afirma-se que a expressão "comedor de carne humana" não se aplica, pois este conceito não se firma nos estudos e sim apenas nos relatos dos viajantes da época. Poucos estudiosos atribuem aos Puris as práticas antropofágicas: sendo assim, as acusações de canibalismo deste povo não deixaram nenhuma evidência, não podendo ser comprovada esta afirmação. Também existem relatos que descrevem os índios Puris como traiçoeiros e desumanos com os homens brancos, contudo esses atos podem ser tidos como resistência contra as agressões e conquistas dos europeus para defesa de seu território, sua família, sua tribo. Para o autor Cláudio Moreira Bento:
"...Não se conhecia fato algum de um puri que haja matado um branco. Quando os brancos embrenhavam-se na mata para colher a planta medicinal poaia, ao encontrarem os puris, estes se punham a correr, arriscando-se furtivamente a apanharem, para seus usos, as ferramentas dos brancos. O próprio nome "puri" significava, na língua deles, "gente mansa ou tímida"."
Na região do Vale do Paraíba, as afirmações são claras a respeito do comportamento do índio puri: são calmos, covardes, medrosos e ingênuos, eram mansos e tímidos. Muitos relatos dão conta do medo e da suscetibilidade com que aceitavam a invasão pelo homem branco e trabalhavam para estes. Não roubavam, não eram mentirosos e nem ambiciosos. A personalidade do índio Puri é descrita, na maioria dos relatos, como dócil e suscetível ao trabalho a ele imposto pelo homem branco.
Quanto aos costumes e hábitos indígenas, muito se diferenciavam da cultura dos portugueses. Estes iniciavam suas entradas na mata e tinham contato com uma cultura diversa da sua: muitas vezes, estas culturas, aos olhos do homem branco, eram exóticas, incompreendidas e mal interpretadas. A contradição da busca por riquezas e a indiferença do índio pelas coisas materiais eram fatores que o homem branco não conseguia compreender. Eram opostos extremos: os índios almejavam a harmonia com a terra para o seu sustento e o europeu buscava apenas a riqueza, adentrando a mata e tomando posse do que, antes, era de todos e que, a partir de então, seria do homem branco.
A língua dos Puris era diferente dos demais indígenas. Era caracterizado por um vocabulário esparso e do qual alguns viajantes fabricaram pequenos dicionários. Os Puris tinham sua sociedade composta por um chefe, por um sacerdote e homens e mulheres com funções distintas. O chefe era eleito pela astúcia, braveza e habilidades de guerreiro e não tinha poder efetivo sobre seu povo:
" Na sociedade indígena, chefe não é aquele que manda, mas sim, que aconselha o que deve ser feito. Se os seus seguem ou não o seu conselho, o problema não é do chefe. Ele é apenas um líder que aconselha, não um patrão que determina o que deve ser feito."
Ao sacerdote, se destinavam as tarefas religiosas e rituais de cura; aos homens, cabiam a fabricação de armas, a caça e a guerra; as mulheres cuidavam da colheita, recolher as caças abatidas e cuidar das vasilhas e demais utensílios usados na tribo. Cada índio podia escolher mais de uma esposa, eram polígamos.
A sociedade indígena desta espécie não exercia a agricultura nem a navegação, retiravam da natureza seus meios de subsistência. Por isso, viviam em habitações provisórias, eram nômades.
A religião era a devoção a vários seres poderosos: contemplavam a natureza e seus fenômenos como deuses. Usavam colares protetores para afastar animais ferozes. Ressalta-se o papel do sacerdote como símbolo maior do poder da religião dentre os índios. Os índios, após o falecimento, eram colocados em vasos de barro e sua habitação era abandonada por medo do espírito do morto. Alguns destes vasos foram encontrados no município de Canas, cidade vizinha de Cachoeira Paulista, porém, somente estudos arqueológicos avançados poderão explicar a origem real, sem deturpações históricas formuladas pelo homem branco, sobre os costumes, utensílios e a verdadeira genealogiadesses habitantes primordiais do Vale do Paraíba.
Fonte:wikipedia.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Puris em Leopoldina


Puris na Floresta, segundo d'OrbignyInterpretar os antigos assentos paroquiais requer leituras e releituras atentas, além de análise comparativa com outros documentos que ajudem a esclarecer o significado dos termos utilizados pelos padres. Em muitos estudos, observa-se um certo açodamento dos autores ao fixarem sentido único para termos que foram utilizados de forma variada. É o que ocorre, por exemplo, com as palavras párvulo, inocente e ingênuo. Tomados à primeira vista com o mesmo sentido, nem sempre assim o foram entendidos pelos padres que deles fizeram uso. Nos primeiros livros paroquiais da Matriz de Leopoldina e da Igreja de Nossa Senhora da Piedade, em geral o nome da criança é precedido da palavra “innocente” [1]. Já nos assentos das igrejas de Bom Jesus do Rio Pardo e Conceição da Boa Vista, o termo mais frequente é “párvulo”.  Mas em todos estes livros pode-se encontrar, assim como nos da Igreja de Santo Antonio de Tebas, batismos em que o nome da criança não é precedido de nenhuma outra indicação.

Os indígenas são mencionados em todos os trabalhos sobre o povoamento de Leopoldina. Entretanto, nem sempre o que foi publicado sobre o assunto condiz com o registrado em fontes documentais.
Este texto traz algumas informações que apuramos principalmente em livros paroquiais de Leopoldina e seus antigos distritos, região habitada pelos Puris antes da chegada do homem branco. As imagens foram extraídas dos livros dos viajantes estrangeiros que visitaram os Sertões do Leste. A exceção é Debret que desenhou baseado em relatos de terceiros.
Segundo Spix e Martius[1]
"Todos os índios que chegamos a conhecer aqui, das tribos de Puris, Coropós e Coroados, surpreendentemente, pouco se diferençavam entre si na estatura e nas feições; os traços individuais pareciam, provavelmente por falta de desenvolvimento, dominados pelos traços gerais da raça do que é o caso, nas outras raças.Os índios são baixos ou de estatura mediana; os homens têm quatro a cinco pés de altura, as mulheres, em geral, pouco mais de quatro pés; todos têm corpos robustos, largos e atarracados. Só raramente se encontram entre eles alguns de estatura mais alta e esbelta. Têm ombros largos, pescoço curto e grosso; os seios das mulheres não são tão frouxos e descaídos como os das negras; o ventre é fortemente protruso, o umbigo muito bulboso, porém menos que nos negros; as partes masculinas são muito menores que as dos negros, e não, como as destes últimos, em constante turgidez; as extremidades são curtas, as inferiores não são nada carnudas, são, sobretudo, franzinas as barrigas das pernas e as nádegas; as superiores são cheias e musculosas. O pé, estreito no calcanhar, é muito largo na frente e o dedo grande aparta-se dos outros; as mãos estão quase sempre frias, os dedos relativamente finos, e as unhas, que eles roem constantemente, costumam ser muito curtas. O colorido da tez é vermelho-cúprico, mais ou menos carregado, diferençando-se segundo a idade, a ocupação e estado de saúde do indivíduo. As crianças recém-nascidas são de cor branco-amarelada, como os mulatos; os doentes tornam-se de cor amarelo-pardacenta, e só excepcionalmente se encontram, entre eles, albinos ou malhados de escuro. Em geral, são de cor tanto mais escura, quando mais robustos e ativos. Nas partes inferiores do corpo e nas extremidades, o vermelho-cúprico passa, às vezes, para colorido mais escuro; na face interna das articulações, ao contrário, a cor esvaece e torna-se esbranquiçada.O índio, propriamente, não pode corar, e o humano "Etubescit, salva res est” não tem aplicação para essa rude raça humana. Só depois de longa convivência com os brancos, notamos entre os índios a mudança de cor, como sinal de emoção.A sua pele é muito fina, macia, brilhante e, exposta ao sol, sujeita a transpirar; o cheiro que exala (catinga) não é tão intenso como o dos negros, mas é acre, amoniacal. O cabelo negro, brilhante, comprido, escorrido, cai espesso e emaranhado da cabeça. Nas axilas e sobre o peito, não se nota em geral cabelo algum; nas partes sexuais e no queixo dos homens, apenas leve penugem. Entretanto, há exceções, embora raras; vimos alguns deles de peito cabeludo e barba cerrada. O característico da cabeça é corresponder ao peito largo a largura especialmente da parte parietal ; na face avultam maçãs salientes. A testa é baixinha, o sinus frontal saliente na base, em cima estreita e inclinada muito para trás. O occipício é muito mais saliente do que o dos negros, cujo crânio é mais estreito e alongado que o dos índios. O rosto é largo e anguloso, e não é tão proeminente como o dos negros, porém, mais do que o dos calmucos ou dos europeus. As orelhas são pequenas, bonitas, um tanto saídas para fora, não são furadas e nem desfiguradas por objetos pesados. São pequenos os olhos, pardo-escuros, oblíquos, o canto interior volvido para o nariz, protegidos por sobrancelhas de poucos pêlos, que, no meio, se recurvam para cima; o nariz é curto, em cima pouco achatado e chato na ponta, entretanto não tão chato como o dos' negros; as narinas são largas e apenas pouco viradas para fora; os lábios muito menos grossos e salientes que os dos negros; não é o lábio inferior, porém o superior que se salienta um pouco, ou então são ambos iguais; a boca é pequena e mais fechada que a dos negros. São muito alvos os dentes, os incisivos largos e bem alinhados; salientam-se os caninos. Em geral, o corpo o índio é entroncado, largo e baixo, ao passo que o dos negros é alto e esguio; ele, com isso, aproxima-se mais das outras raças, sobretudo dos chineses e calmucos, conquanto estes sejam de tez mais clara e de traços melhor conformados. Deformados e aleijados nós tampouco encontramos nos índios, pelo que alguns supõem que costumam dar cabo deles, logo ao nascerem."


[1] Spix, Johann Baptist von, e MARTIUS, Carls Friedrich Philipp von. Viagem pelo Brasil. 3. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1976. p. 202-203
Assentos paroquiais como fonte de pesquisa
Outra observação importante é a respeito das indicações posteriores ao nome da criança. A primeira informação é bem clara, registrando “filho natural de” ou “filho legítimo de” para distinguir as crianças nascidas de matrimônios celebrados pela Igreja daquelas que nasceram de mães solteiras. Em pequeno número de casos aparece “filho adulterino de” e em um único caso, na Igreja de Santo Antônio de Tebas em 1885, foi encontrado “filho natural de” seguido do nome do pai da criança. No caso dos mancípios, após o nome de cada um dos pais há indicação do nome do proprietário. Com certa frequência temos, também, casos em que a criança, filha de escrava e nascida antes de 1872, foi libertada pelo senhor no ato do batismo.
Nem sempre aparece indicação mais detalhada sobre os escravos pais da criança batizada. Mas, especialmente no primeiro livro de batismos de Bom Jesus do Rio Pardo, período 1838 a 1864, são frequentes indicações como crioulo, mina, de nação, africano (a) e pardo (a).
Ressalte-se que, em livros de outras Freguesias mineiras, muitas vezes encontramos o nome da criança antecedido da palavra ingênuo (a). Já nas igrejas acima citadas, este termo, quando aparece, não está antes do nome da criança mas após o nome da mãe. É o que ocorre, por exemplo, no assento da página 82 verso de um livro de batismos da Igreja de Santo Antonio de Tebas, informando-se que no dia 25 de dezembro de 1882 o padre Eugenio Martins do Couto Reis batizou Ventura, do sexo masculino, “nascido a 4 de outubro de 1882, filho natural de Belmira, ingenua de Candido José de Almeida”. Este formato repete-se em vários assentos das igrejas de Nossa Senhora da Piedade e Bom Jesus do Rio Pardo, em alguns casos com um complemento: “ingenua puri”.
No primeiro livro de Bom Jesus do Rio Pardo, página 26, encontra-se: “fº natural de Florinda India Puri” e “f. natural de Felisbina Purí”. Na página 18 deste mesmo livro consta: “Aos vinte hum dias do mez de Fevereiro de mil oito centos e quarenta hum Baptizei solemnemente e pus os Santos Oleos nos Puris seguintes Antonio fº de Anna, e Maria fª de Maria” [2].


Outras referências aos indígenas


Habitações indígenas segundo Debret Cabana de Puris, segundo d'Orbigny
Na correspondência de Guido Thomaz Marlière são encontradas diversas referências aos nativos que viviam no Rio Pardo. Entre outras, numa carta do Secretário da Junta Militar da Conquista Ignacio José Nogueira da Gama a Marlière, de 1816, informa-se que foi autorizado o pagamento da fatura do moinho de que necessitam os Indios Puris, aldeados no Rio Pardo e Paraíba, além da compra de tachos, enxadas e vestuário para os mesmos índios.[3] Segundo se verá adiante, a construção do moinho ficou a cargo de José Paradellas, que seria encarregado do aldeamento no Rio Pardo. Sobre este personagem, aliás, no livro Tombo da Igreja de Bom Jesus do Rio Pardo consta o registro de teor seguinte.
José Paradella senhor e possuidor da Fazenda Fortaleza, fez um voto ao Bom Jesus se os seus dois filhos não fossem recrutados para a Revolução Mineira de 1842, doar o patrimonio e construir uma capellinha do Bom Jesus, e tendo sido saptisfeito, edificou uma capellinha de palmitos e determinou as divisas vertentes de 15 alqueires mais ou menos de terra, fazendo divisas com a Fazenda Salvação, a começar num corrego e atravessando a estrada e vertendo o dito corrego até galgar um vallo, seguindo este e atravessando um outro, até a parte que vem do arrayal Feijão Crú, e seguindo o espigão, e descendo numa grota, onde tem uma aguinha até a estrada e indo ao Rio Pardo e por este a Salvação.
Rio Pardo 25 de Dezembro de 1842
Segundo o Mapa de Habitantes do Curato do Espírito Santo do Mar de Espanha[4], que abrangia o território de Guarará, Maripá, parte de Argirita e Tebas, em 1831 ali vivia a família Paradellas, de cor parda. Há estudiosos que julgam ser esta a cor indicada para os indígenas, o que acreditamos ser uma interpretação apressada, já que os nativos dificilmente teriam sido recenseados por não atenderem a um pressuposto básico: residirem num “fogo”, ou seja, terem moradia fixa. A 20 de outubro de 1840 Os Paradella venderam 60 alqueires da Fazenda Fortaleza para Felisberto da Silva Gonçalves[5], sendo que a venda só foi regularizada em 1851 quando os descendentes do patriarca residiam na Fazenda Bom Retiro.
Recorremos ao Registro de Terras de 1856[6] para acrescentar que Antonio Custodio Nogueira declarou ser proprietário da Fazenda Monte Claro, cujas terras adquiriu de José da Silva Paradellas,
ao qual foi concedida pelo Governo Provincial em indemnização de hum moinho por elle feito para uso dos Indios, como tudo melhor consta dos titulos existentes em seo poder, começando na quadra da Sesmaria do Alferes Candido Antonio da Silveira, seguindo corrego maior acima a fazer deviza na ultima caxoeira do dito corrego e corrego menor, lagrimais, e todas as vertentes de hum e outro lado do dito corrego, confrontando estas terras com o dito Alferes Candido, herdeiros de Joaquim Gonçalves, e outros.
No mesmo ano, em Mar de Espanha foi colhida a declaração do próprio Paradellas[7]
Declaro eu abaixo assignado que possuo nesta Villa do Mar de Hespanha huma demarcação sita na Rua das Caissaras tendo de frente cincoenta e cinco palmos e fundos athe o Rio divide a direita com Felis de tal, e esquerda com Candido de tal. Mar de Hespanha vinte de Abril de mil oito centos e cincoenta e seis. José da Silva Paradellas.


Conclusão

Poder-se-ia realizar um novo levantamento nos livros paroquiais das Igrejas de Argirita, Piacatuba, Tebas, Conceição da Boa Vista e Leopoldina, com vistas ao registro da presença de indígenas no território do antigo Curato de São Sebastião do Feijão Cru. Para o texto que ora se encerra foram inseridas apenas algumas informações que comprovam a presença de nativos na região, sabendo-se que a representatividade é ínfima, uma vez que a grande maioria não foi cristianizada. Deste modo, acredita-se que qualquer pesquisa neste sentido estará sempre aquém da realidade.

Dança dos puris segundo Spix & Martius
Dança dos Puris segundo Rugendas
Dança dos Puris segundo d'Orbigny

Oiliam José[8] informa que na Serra dos Puris, à margem da BR 116, e na Lajinha (Piacatuba), existiram aldeias puris onde foram encontradas duas machadinhas destes que teriam sido os derradeiros indígenas da Zona da Mata. Segundo o autor, as peças pertenciam à coleção de Mauro de Almeida Pereira. Acrescente-se que esta informação circulava entre as pessoas que conviviam com o Mauro na década de 1960, mas sem indicação do período do achamento ou de análise da idade dos materiais. Sabe-se, entretanto, que Candido José de Almeida, citado no assento transcrito do livro da Igreja de Santo Antonio de Tebas, era irmão do avô materno de Mauro de Almeida Pereira e bisavô da autora deste texto. O mesmo Candido foi Juiz de Paz em Tebas, entre 1883 e 1890, onde residiu a partir de meados da década de 1850. Lendas familiares dão conta de que, além de um bom plantel de escravos libertos, em suas terras viviam diversos puris.
Considerando que este personagem viveu em Tebas no final do século XIX, levanta-se uma questão: os últimos indígenas de Tebas teriam desaparecido no alvorecer dos anos novecentos?


[1] No século XIX, a palavra era grafada com duas letras “n”.
[2] Foi mantida a ortografia do original.
[3] Revista do Arquivo Público Mineiro, ano X, pág. 407.
[4] Mapa da População do Curato do Espírito Santo - 1831, fl. 18-a fam. 157.
[5] Cartório de Notas de Argirita - 1841-1854, fls. 117-verso.
[6] Registro de Terras de Bom Jesus do Rio Pardo, TP 180, fls. 6, nr. 24, Arquivo Público Mineiro
[7] Registro de Terras de Nossa Senhora das Mercês da Vila de Mar de Espanha, TP 116, fls. 43, s/nr.
[8] JOSÉ, Oiliam. Indígenas em Minas Gerais. Belo Horizonte: MP, 1965. p. 125-126

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Histórico dos Índios puris

Os índios da tribo puri eram hábeis pescadores e viviam na região da Serra da Mantiqueira, nos atuais estados de Minas GeraisSão PauloRio de Janeiro e Espírito Santo, no Brasil. Subdividiam-se em três subgrupos: sabonam, uambori e xamixuna. Com a chegada dos colonizadores luso-brasileiros à região, a partir do século XVIII1 , começaram os primeiros confrontos entre os puris e os portugueses.
Em Ponte Nova, aproximaram-se dos colonizadores de origem portuguesa, sendo comum sua presença nas fazendas como agregados. Mesmo no primeiro quartel do século XIX, mantinham aldeamentos próximos do povoado. Duas dessas aldeias situavam-se no local do atual Bairro do Pacheco e no alto do Morro do Pau d`Alho, onde hoje se ergue o Colégio Dom Helvécio.
Cláudio Moreira Bento, escrevendo sobre as comemorações dos duzentos anos de Resende, comenta o massacre dos índios puris pelos primeiros habitantes dos municípios que formaram a cidade. Apoia-se em fontes a que recorreu para escrever o ensaio "Os Puris do Vale do Paraíba Fluminense e Paulista", in Migrações do Vale do Paraíba, São José dos Campos: UNIVAP, 1994, que publicou nos Anais do XII Simpósio de História do Vale do Paraíba, trabalho republicado pela Academia Itatiaiense de História, em Volta Redonda, 1995. Contesta, nele, as afirmações de Joaquim Norberto de Souza e Silva em sua Memória Documentada das Aldeias de Índios da Província do Rio de Janeiro, no número catorze da Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, apresentado na sessão magna do instituto em 1852.
Diz Joaquim Norberto que "O ousado sargento–mor Joaquim Xavier Curado, depois general e Conde de Duas Barras, transportando-se aos campos infestados de Puris, formou um corpo (tropa militar) com seus moradores" (de Resende) e completa: "Ainda hoje (1852), se relata, à tradição, as maiores atrocidades cometidas em vingança contra os atentados dos índios e acusa a peste das bexigas (varíola) levada ao seio das tabas puris como um meio eficaz de reduzi-los. O horror de tão negras cenas presenciaram os moradores doParaíba, cuja torrente caudalosa arrastava quotidianamente os hediondos cadáveres das míseras vítimas."
Joaquim Norberto se referiu genericamente à tradição, diz Cláudio Moreira Bento, sem apontar caso concreto a ser investigado em outras possíveis fontes. E tradição não se constitui fonte histórica, ainda mais quando fontes primárias, como o Relatório de Passagem do Governo do Vice-rei Dom Luís de Vasconcelos ao Conde de Resende, que menciona a pacificação de Resende pelo capitão Curado, não autoriza a sua grave insinuação. O Relatório do Vice-rei diz apenas que o capitão Curado, que chama de valente oficial, "conseguiu afugentar os rebeldes fora do sertão (do Campo Alegre) circunvizinho, por ter recorrido aos meios só capazes de os aterrar."
Alfredo Pretextado Maciel da Silva, em Generais do Exército Brasileiro, Rio de Janeiro, Imprensa Militar, 1905, assim interpretou a missão do capitão Curado: "No governo do vice-rei dom Luís de Vasconcelos e Sousa (1779-1790), partiu do Rio de Janeiro para pôr-se à testa dos moradores do sertão da Paraíba Nova, (...) com o fim de reprimir com o maior rigor, antes que fizessem mais prejudiciais, as irrupções que faziam nos referidos sertões (Sertão do Campo Alegre) uma horda de índios bravios, assolando fazendas que saqueavam, atacando e matando a todos que infelizmente lhes caíam em mãos.". E adiante: "De modo que a maior parte dos fazendeiros que tinham seus estabelecimentos ao norte do rio (Paraíba) os abandonaram, por não serem suas forças capazes de se lhes fazer frente, o que permitiu a esses índios passarem para o lado oposto do Paraíba, onde continuaram as suas hostilidades e depredações. Conseguiu o dito Xavier Curado salvar os fazendeiros e moradores sem nenhuma opressão e restabeleceu a tranquilidade de que estavam privados, com toda a prudência e moderação, empregando um corpo de tropas que formou de diversos moradores para as diligências que se fizeram necessárias para rechaçar os que se tornaram indomáveis, o que o fez respeitado em diversas ocasiões e lugares em que se praticaram aquelas irrupções".
Assim, os puris teriam sido afugentados para fora do sertão circunvizinho (Sertão do Campo Alegre, hoje Resende, ItatiaiaPorto RealQuatisBarra MansaVolta Redonda), onde não mais apareceram, tendo sido congregados os dispersos que restaram, de modo a formar uma nova aldeia no local em que habitavam – o Minhocal, onde, por longos anos, se conservaram sob a ação inteligente do padre Henrique José de Carvalho (pároco de Resende por 22 anos, de 1767 a 1789).
Em relatório de 1801, o padre Francisco Chagas Lima, fundador de Queluz, a mais fiel fonte sobre os puris do Campo Alegre, reproduzida pelo historiador Paulo Pereira Reis em Os Puris de Paicaré, diz: "Não se conhecia fato algum de um puri que haja matado um branco. Quando os brancos embrenhavam-se na mata para colher a planta medicinalpoaia, ao encontrarem os puris, estes se punham a correr, arriscando-se furtivamente a apanharem, para seus usos, as ferramentas dos brancos. O próprio nome "puri" significava, na língua deles, gente mansa ou tímida."
A organização de uma força em Resende para afugentar índios bravios se deve certamente a incursões de índios botocudos vindos de Minas Gerais e que agrediam brancos e os próprios puris. O governador de São Paulo Diogo de Vasconcelos, em carta de 13 de outubro de 1775, descreveu os puris como "índios tímidos, medrosos e covardes, não havendo o que temer deles".

sábado, 10 de julho de 2010

As tribos Índigenas e os Puris

OS GOITACASES

        Quando os europeus se estabeleceram no baixo Itabapoana, pouco antes de 1540, encontraram uma nação indígena chamada, pelos tupis, de goitacás. Os cronistas divergem sobre o significado da alcunha, embora haja uma certa unanimidade em traduzir o nome goitacás como corredor, ou nadador. Atualmente, é de conhecimento geral que os goitacases são do tronco chamado de macro-gê, e não falavam o tupi. Eram, grosso modo, tapuias (bárbaro ou inimigo em tupi).

        Os primeiros contatos foram, de certo modo, pacíficos. Os goitacases da região aceitaram o estabelecimento dos portugueses, animados e interessados no comércio de bens manufaturados como machados, facas, anzóis, pentes e espelhos, que eram novidade e tinham muita utilidade para eles. Chegaram mesmo a trabalhar na formação dos canaviais, em troca desses bens.

        Mas os goitacases eram arredios. Um incidente envolvendo um chefe indígena acabou por levantar a tribo, que destruiu e queimou os canaviais. Feita a paz, logo outro incidente aconteceu, e desta vez a guerra foi ainda mais renhida; destruíram e queimaram novamente os canaviais e os recém montados engenhos, e por fim expulsaram os europeus do baixo Itabapoana. Depois disso, os goitacases passaram a evitar qualquer contato com os europeus, assaltando-os e combatendo-os sempre que necessário, e não aceitando fazer paz.

        Antes da chegada dos europeus, os goitacases estavam em expansão. Haviam descido o Paraíba do Sul, assenhorando-se dos campos que hoje pertencem ao município de Campos dos Goitacazes e arredores. Haviam chegado ao litoral a não muito tempo. Tal fato é atestado pelos sítios arqueológicos tupi encontrados no baixo Itabapoana, cuja datação não é muito anterior ao início do século XVI. Esses sítios, inclusive, foram identificados apenas como acampamentos provisórios, sem evidências que atestem uma permanência estável. As crônicas da época atestam que os goitacases guerreavam com grupos tupis do sul do Espírito Santo, e que expulsaram os tupis papanases do litoral.

        Cronistas antigos chegam à afirmar que uma partida de goitacases, dos que expulsaram os europeus do Itabapoana, foi ter ao Espírito Santo em 1546/1547. A maioria reza que eles chegaram até o rio Benevente, que banha a atual cidade de Anchieta. Alguns mencionam que eles foram ainda mais além, atingindo Guarapari; há ainda menção de que os goitacases chegaram às proximidades de Vila Velha, chegando a atacar os estabelecimentos portugueses lá existentes. Seja o que tenha acontecido, verossímel parece que organizaram e executaram uma expedição que subiu o litoral, e é provável que tenham atingido a região de Anchieta, voltando para o sul logo depois.


COMO ERAM?

        Eram muito bons nadadores, e sentiam-se à vontade no ambiente de brejos e lagos da região. Não formavam aldeias, e não praticavam a agricultura como os tupis. Nômades, suas hordas vagavam pela região praticamente sem se fixar em algum sítio, os tornando muito móveis e "corredores", como se falava da linguagem da época. Viviam da caça/pesca e da coleta. Suas tribos lutavam umas com as outras, mas por vezes se confederavam quando havia algum inimigo em comum. Homens e mulheres combatiam, diferentemente dos tupis, onde só os homens iam para a guerra.

        Suas hordas não eram muito numerosas. As cabildas possuiam cerca de 200 pessoas, entre homens, mulheres, velhos e crianças. Estavam divididos, no final no século XVI, em 4 grupos maiores, cada grupo contendo entre 3 e 5 hordas aparentadas.


O QUE ACONTECEU COM ELES?

        Após guerrearem e expulsarem os europeus do baixo Itabapoana, passaram a ser muito temidos entre os portugueses. Todos que passavam pelo litoral do atual norte fluminense o faziam com cautela, e só desembarcavam em terra em último caso. Entre 1546, quando expulsaram os portugueses do Itabapoana, e 1594, quando foi organizada uma expedição punitiva contra eles, essa parte do Brasil permaneceu inacessível ao europeu. Após a referida expedição, os goitacases recuaram do litoral e se internaram nos campos do baixo Paraíba do Sul, mas continuaram ameaçando a zona litorânea com suas correrias e obstaculando qualquer estabelecimento português.

        Alguns anos depois, no início do século XVII, grassou entre os goitacases severa epidemia, que muito os debilitou. Uma frouxa aliança entre ingleses e holandeses, que tentaram se estabelecer perto da sua zona, pode ter sido a origem da epidemia, embora seja crível que a doença tenha ceifado vidas de tempos em tempos. As autoridades portuguesas, alarmadas com a presença dos estrangeiros, logo organizaram uma expedição para expulsá-los antes que se consolidassem no terreno. Ato contínuo, após desarticular a tentativa inglesa/holandesa, levaram a guerra aos debilitados goitacases. Junto com aliados tupis, os portugueses massacraram várias cabildas. A guerra foi tão cruel, que os goitacases abandonaram os campos do baixo Paraíba do Sul e as lagunas, internando-se no noroeste fluminense.

        Em 1617, finalizada a guerra, tupis do Rio de Janeiro e, mais tarde, do Espírito Santo, foram deslocados para formarem Aldeamentos no litoral, sob a coordenação dos padres Jesuítas. Para se ter noção da gravidade da epidemia e da guerra que assolou os goitacases, os remanescentes de uma tribo inteira deles foi ter à um dos Aldeamentos, pedindo para serem aldeados. Os campos dos goitacases esvaziaram-se de tal forma que, quando a região foi doada em sesmarias à alguns portugueses e brasileiros ainda no século XVII, já não haviam mais índios selvagens por lá. Apenas o nome "Campos dos Goitacazes" ainda fazia lembrar de que ali haviam vivido esses bravos indígenas.

        Os remanescentes das debilitadas hordas que não se renderam afastaram-se para o interior, e os estudiosos afirmam que eles acabaram mesclando-se com grupos também do tronco macro-gê que habitavam as cabeceiras dos rios Muriaé e outros rios da região. Alguns pesquisadores entendem que os coropós e os puris do século XVIII e XIX seriam resultado dessa mescla.


E EM MIMOSO?
Goitacases expulsos, chegam os Tupis.

        Como vimos, a região do Itabapoana era habitada e percorrida, no século XVI, pelos índios goitacases. No início do contato com os europeus, chegaram a trabalhar pacificamente na formação dos canaviais da região da atual cachoeira das Garças, em troca de bens manufaturados e mantimentos. Desentendidos com os forasteiros, fizeram contra eles duas guerras, e por fim os expulsaram do Itabapoana em 1546.

        Organizaram uma partida que correu pelo litoral, atingindo no mínino a região de Anchieta. Depois dessa correria, retornaram aos seus sítios no atual norte fluminense. Até 1594 impediram qualquer estabelecimento na região, e nesse ano foram batidos por uma expedição que os repeliu do litoral. Foi somente nessa data que o Itabapoana tornou-se relativamente "seguro" para se povoar novamente. Próximo ao ano de 1620, os Jesuítas construíram uma Capela (Nossa Senhora das Neves) e formaram uma Fazenda (Muribeca), deslocando para a região do Itabapoana índios tupis que estavam reduzidos em Anchieta, então chamada de Rerigtiba.

        Um pequeno grupo desses índios se estabeleceu na região da cachoeira das Garças, onde viviam em cultura de subsistência, com pequena lavoura de mantimentos e vivendo da atividade pesqueira. O nome dessa pequena aldeia era São Pedro Apóstolo, que passou à ser chamada coloquialmente de São Pedro do Norte, por causa da aldeia de São Pedro do Cabo Frio (atual São Pedro da Aldeia).

        Sem o perigo dos goitacases, expulsos da região, esses índios tupis semi-aculturados viveram tranquilos na aldeia de São Pedro por cerca de dois séculos, até que começaram à ser acossados pelos puris no final do século XVIII. A aldeia era pequenina, e não tinha mais que 50 moradores.

        Várias vilas, e até cidades atuais, tiveram origem parecida à da aldeia de São Pedro - índios tupis aculturados ou semi-aculturados que foram formar pequenas roças de subsistência nas proximidades de algum Aldeamento, Fazenda ou Igreja/Capela Jesuíta, e passaram a se dedicar à pesca. Essa é a origem remota das atuais Piúma, Itaoca/Itaipava, Meaípe, Perocão, Santa Cruz, Riacho, dentre outras. Representam a chamada cultura maratimba, os nossos caboclos, tão celebrada por Rubem Braga em seus escritos.
Gerson França
 OS PURIS

Os índios Puris eram hábeis pescadores que viviam originalmente no Litoral do Espírito Santo e Rio de Janeiro. No entanto, tiveram que se adaptar às regiões serranas a partir de 1500 em conseqüência da chegada dos portugueses, e a conseqüente escravização, algo que os Puris não suportavam, comum em todas as tribos.
Foi então que se viram forçados a se acuar pelo interior do Brasil. Em uma dessas imersões chegaram à região da Serra do Brigadeiro, um dos seus últimos redutos, antes denominada Serra dos Arrepiados. Encurralados pelos europeus e por algumas tribos indígenas mais selvagens como os Boruns, mais conhecidos por Botocudos ou Aymorés, dominantes do Vale do Rio Doce. A única opção de sobrevivência foi mesmo se adaptar às matas fechadas e ao frio da Serra dos Arrepiados, nome esse dado em referência aos Puris. Em 1680 o Capitão Antônio Raposo de Barretos, em uma de suas “Bandeiras” na caça aos índios, escrevendo ao correspondente comercial no Rio de Janeiro, expressava receio de perder os 40 (quarenta) Puris que seu filho tinha trazido da Serra da Mantiqueira.
O índios Puris só conseguiram sobreviver por mais tempo devido à sua imersão em matas e serras de difícil acesso, como a Serra dos Arrepiados, que até ao final do século XIX, mantinham-se boa parte de sua cultura e costumes, alguns destes ainda preservados por famílias, que a priori, se dizem descendentes dos indígenas.
Até pouco tempo julgava-se extinta a cultura e o povo Puri, porém, mais recentemente, tem-se notícia da existência de inúmeros descendentes que guardam a língua, a história, os costumes e outros saberes, além de marcarem presença no folclore e no imaginário religioso.
Os Índios Puris são lembrados até hoje através de suas heranças culturais, podendo-se destacar a Dança de Caboclo, uma das mais importantes manifestações folclóricas da nossa região. Esta dança é praticada hoje sob a forma de apresentação artística, pelo grupo FOLGUEDO dos ARREPIADOS.
De acordo com pesquisas realizadas, esta dança era praticada pelos próprios índios Puris, com o passar do tempo e devido a uma forte perseguição à sua cultura, principalmente as de maior expressão, como as danças e outros rituais religiosos, foram sendo deixadas pelos seus últimos remanescentes, inibidos, e em alguns casos proibidos de cultuar e praticar seus costumes. Daí então, em memória aos Puris, descendentes e remanescentes começaram a praticar a dança e cantos em forma de folclore, surgindo a popular “Dança dos Caboclos”.


EM MIMOSO...
Em Mimoso dos Sul dos Puris habitavam às margens do Rio Muqui do Sul vivendo nas matas fechadas que haviam no local. Eram hábeis caçadores e pescadores. Consta-se que em de 1837 aportou o primeiro posseiro da região o Sr. Francisco José Lopes da rocha e sua família, que ordenou a abertura das matas para realizar plantações nestas terras. Isso causou aos índios certa contrariedade pelo seu modo de viver. Com isso alguns líderes indígenas intimaram o detentor daquelas terras a se retirar. Visto que aquilo não lhe pertencia e ele estava alterando os costumes locais.
Porém corajoso, Francisco Lopes apontando uma espingarda para os índio disse que Dalí não sairia, pois havia requerido aquela sesmaria na Corte, e que por sua vez era de sua posse. À noite os índios voltaram ao rancho e roubaram panelas e todos os utensílios da casa. Francisco da Rocha e mais dois camaradas bem armados percorreram uma a uma, as choupanas dos índios, e, na 10ª encontrou todos os utensílios roubados, os levando de volta a casa.
De longe um dos índios acerta uma flecha no umbigo de Lopes da Rocha e foge logo depois para dentro da mata. Francisco Lopes foi submetido a um tratamento de toucinho cozido sobre o ferimento e depois foi encaminhado para Limeira para fazer acompanhamento médico em Campos. Por volta de 1850, novos posseiros se instalaram na região para se dedicar a agricultura e em busca do ouro fino, que segundo relatos dos índios, havia em uma das cachoeiras do Rio Muqui do Sul. Com isso os Puris foram perdendo ainda mais o seu território na região. 
Thiago Costa Santiliano
FONTE: Grinalson Francisco Medina

Os Puris e os Botocudos

O território capixaba por muito ficou desolado e até mesmo proibido à exploração do seu interior. Lá por meados do séc. XVIII nos sertões do território brasileiro, ainda dividido em capitanias, encontravam-se espaços pouco conhecidos, temidos e desejados, com muito ouro, terras férteis, lugares de risco e perigo, áreas fracamente ocupadas pelo homem branco e, no caso do leste da capitania, habitadas pelas tribos indígenas dos Botocudos, Coropós, Coroados e Puris.
Os Puris eram hábeis pescadores que viviam originalmente no Litoral do Espírito Santo e Rio de Janeiro. A partir de 1500, porém, foram obrigados a se adaptar e se refugiar nas frias regiões montanhosas com a chegada dos portugueses, mais a temida e consequente escravidão, algo que estes índios abominavam, além de encurralados pelos europeus e por algumas tribos mais selvagens como os Botocudos que dominavam o Vale do Rio Doce. Maria de Jesus, no livro em que trata de Muribeca, área próxima à foz do Itabapoana, faz citações desde o início da colonização quando procedeu-se à catequização dos Puris e Botocudos pelos padres da Companhia de Jesus no aldeamento da Fazenda da Muribeca, local do primeiro grande passo dado à colonização do sul do Espírito Santo.
Os Puris estavam distribuídos em grupos desde o Rio Paraíba, penetrando na parte oriental de Minas Gerais, e os Goitacases entre o Baixo Paraíba e Macaé, até o Espírito Santo. Nesta área havia duas principais nações de tapuias: os Guaymorés ao norte e os Guaytacases ao sul, hoje conhecidos como Aimorés e Goitacases.  Estes índios habitavam regiões próximas ao Caminho Velho e o Caminho Novo. O Caminho Velho iniciava-se por Parati, no RJ, porém em 1725 o Caminho Novo começou a ser criado, abrindo-se novas picadas na mata, resultando na inevitável expulsão dos índios da região.

Os índios Puris são identificados como descendentes dos Coropós e Coroados, ou muito parecidos, também em seus aspectos culturais, como descrevem os cientistas Von Spix e Von Martius nas expedições realizadas no início do século XIX. Estes indígenas como todos os de outras tribos em geral apresentavam os seguintes aspectos físicos: baixos ou de estatura mediana, robustos, largos, achatados, pescoço curto e grosso, formas arredondadas, pés largos e dedos grandes, pele macia de cor parda-escura, cabelo comprido liso de cor negra, sem cabelo nas axilas e peito, rosto largo, testa estreita, nariz curto, olhos pequenos, boca pequena e dentes claros.

Segundo grande parte dos estudiosos modernos, os Goitacases falavam uma língua parecida com a dos Puris e, ainda segundo eles, os Puris e os Coropós seriam os descendentes da mescla entre Goitacases e Gês do sertão, lembrando que ambos eram do tronco macro-gê e viveram na mesma região geográfica, embora em épocas diferentes. Infelizmente, não nos foi legado algum dicionário Goitacás-Português. Um padre jesuíta chegou a compilar um através os Goitacases agrupados em um aldeamento tupi, mas a obra não sobreviveu no tempo.

Já da língua puri existem alguns dicionários. O mais famoso foi compilado em 1889, pelo engenheiro Alberto de Noronha Torrezão. Ao final do “Dicionário dos Puris”, está o veredito de um dos índios entrevistados que disse ter assistido à guerra dos Coropós com os Botocudos e que, acompanhando os primeiros, atravessou duas vezes o Rio Doce em perseguição dos segundos, tendo perdido um irmão nestes combates.

Cita também que o terreno aquém do Rio Doce ficou limpo de Botocudos, mas que os mineiros tendo acabado com os Puris, os Botocudos outra vez voltaram para o sul e, dizimados como se encontravam os Puris e Coropós, não puderam resistir aos Botocudos, a não ser mais para cima, para os lados de Muriaé (MG) onde estavam outros grupos de Coropós e Coroados.
O termo botocudo é a denominação dada pelos portugueses aos indígenas pertencentes a grupos de diversas filiações linguísticas e regiões geográficas, uma vez que a maior parte usava botoques labiais e auriculares, acessórios que na verdade eram peças arredondadas, as vezes até de grandes dimensões, que fixavam nos lóbulos das orelhas e nos lábios, conferindo-lhes aparência particularmente assustadora.
Os Botocudos, também chamados Boruns ou Aimorés, pertenciam ao tronco macro-gê (grupo não-tupi-guarani) como os Goitacases e viviam do sul da Bahia ao norte do Espírito Santo e região do vale do rio Doce. Ainda há botocudos nas bacias dos Rios Mucuri e Pardo. Caracterizavam-se por sua violência. Consta em várias citações que tinham o costume da antropofagia, atacando aldeias de Puris ou de Goitacases, seus adversários tradicionais, ou caravanas de viajantes e até fazendas de sesmeiros, incendiando o que encontravam no caminho.
Cronistas antigos já atestavam que os Goitacases falavam uma língua diferente da língua tupi - era mais "bárbara" e "truncada" e os tupis não a compreendiam. Chamavam estes povos Gês de Tapuias (bárbaros, inimigos). Já a língua dos Puris era diferente da dos demais indígenas de outras tribos, caracterizava-se por um vocabulário esparso, do qual alguns viajantes fabricaram pequenos dicionários. A língua puri era falada nos vales do Itabapoana, médio Paraíba do Sul e nas serras da Mantiqueira e das Frecheiras, entre os rios Pomba e Muriaé. Dividia-se em três subgrupos: sabonan, uambori e xamixuna.
Com a descoberta do ouro nas proximidades, os bandeirantes passaram a investir nesta região e a partir de 1780 começou um verdadeiro extermínio aos Puris. Com a crise do ouro, existia a preocupação em aumentar os campos de minerações e, sabendo-se da existência de ouro na região, de imediato organizaram-se expedições, sendo a primeira em Julho de 1780 por um ano, quando ocorreram várias mortes e escravização de índios Puris.
A segunda expedição, de Julho de 1781, foi mais desbravadora ainda. Abriram-se caminhos por toda a região, seguida de distribuição de terras e incentivo à mineração e à agricultura. Os conflitos entre índios e brancos se tornaram então cada vez mais frequentes e contínuos, acarretando na matança dos índios que não eram considerados pelos “invasores”, ou melhor, pelos europeus, donos das terras nem seres dignos de respeito.
Com isto, viu-se a necessidade de intensificar o processo de “civilização”, criando aldeamentos sem nenhum critério, misturando-se tribos e etnias diferentes, introduzindo a eles os valores europeus, sem nenhum respeito à sua cultura nativa. Os índios que se rebelavam ou aqueles que não se submetiam eram caçados e praticamente exterminados, através inclusive de guerra bacteriológica principalmente com o vírus da varíola introduzida nas aldeias através de presentes.
Também eram comuns massacres promovidos por soldados do governo e até mesmo o estímulo de guerras entre tribos, além de matanças isoladas, promovidas por fazendeiros, que se viam no direito de eliminar “obstáculos”. Os índios Puris só conseguiram sobreviver por mais tempo devido à sua imersão em matas e serras de difícil acesso. Até o final do século XIX, mantinha-se boa parte de sua cultura e costumes, alguns destes ainda preservados por famílias que se dizem descendentes destes indígenas.
Os Puris tinham sua sociedade composta por um chefe, por um pajé e homens e mulheres com funções distintas. O chefe era eleito pela astúcia, braveza e habilidades de guerreiro e não tinha poder efetivo sobre seu povo: Ao pajé se destinavam as tarefas religiosas e rituais de cura; aos homens cabiam a fabricação de armas, a caça e a guerra; as mulheres cuidavam da colheita, de recolher as caças abatidas e cuidar das vasilhas e demais utensílios usados na tribo.
Cada índio podia escolher mais de uma esposa, eram polígamos. A sociedade indígena desta espécie não exercia a agricultura nem a navegação, retiravam da natureza seus meios de subsistência. Por isso, viviam em habitações provisórias como nômades.
Eram devotos de várias entidades poderosas, contemplavam a natureza e seus fenômenos como deuses. Usavam colares protetores para afastar animais ferozes. Ressalta-se o papel do pajé como símbolo maior do poder da religião entre os índios. Após o falecimento, eram colocados em vasos de barro junto a seus pertences e sua habitação abandonada por medo do espírito do morto.
O significado da palavra Puri, em tupi, pode ser "… gentinha ou povo miúdo ou comedor de carne humana”, contudo esta segunda não pode ser comprovada apenas pelos relatos dos viajantes da época. Também há relatos descrevendo os Puris como traiçoeiros e desumanos com os homens brancos, contudo esses atos podem ser tidos como resistência contra as agressões para defesa de seu território, sua família, sua tribo. Para o autor Cláudio Moreira Bento:
"…Não se conhecia fato algum de um Puri que haja matado um branco. Quando os brancos embrenhavam-se na mata para colher a planta medicinal poaia, ao encontrarem os Puris estes se punham a correr arriscando-se furtivamente a apanharem para seus usos as ferramentas dos brancos. O próprio nome Puri significava na língua deles gente mansa ou tímida."
Quanto aos costumes e hábitos indígenas, a contradição da busca por riquezas pelos portugueses e a indiferença do índio pelas coisas materiais eram fatores que o homem branco não conseguia compreender, pareciam exóticos, incompreendidos e mal-interpretados. Eram opostos extremos, os índios almejavam a harmonia com a terra para o seu sustento e o europeu buscava apenas a riqueza, adentrando a mata e tomando posse do que antes era de todos, e que, a partir de então, passaria a ser do homem branco.
Os Puris foram descritos como calmos e receptivos por alguns e valentes e armados, por outros, de fato, podemos perceber que o homem branco facilmente os combateu. Os brancos adentraram a mata fechada, favorecendo embates entre os exploradores e os índios. Com a exploração das terras, o índio também foi empregado. Sabe-se que leis tratavam de impor que não fossem exterminados, mas como em toda história brasileira e, nesta região não seria diferente, a extinção dos indígenas ocorreu. Os Puris sumiram da área sem deixar rastros não existindo sinais de quando partiram, mas sabe-se que a sua extinção se deu ainda no século XVIII.
Até pouco tempo julgava-se extinta a cultura e o povo Puri, porém, mais recentemente, tem-se notícia da existência de inúmeros descendentes que guardam a língua, a história, os costumes e outros saberes, além de marcarem presença no folclore e no imaginário religioso. Os Índios Puris são lembrados até hoje através de suas heranças culturais, podendo-se destacar a Dança de Caboclopor regiões mineiras, uma das mais importantes manifestações folclóricas daquela região.
De acordo com pesquisas realizadas, esta dança era praticada pelos próprios índios Puris. Com o passar do tempo e devido à forte perseguição à sua cultura, principalmente às de maior expressão, como as danças e rituais religiosos, o costume foi sendo esquecido pelos remanescentes, inibidos, e talvez proibidos de cultuar e praticar seus costumes.
A principal fonte de documentação dos Puris no momento encontra-se perdida. O padre Manuel Eufrazio de Oliveira, sucessor do padre Francisco das Chagas Lima (1757-1832) que catequizou esses índios quando foi pároco de Queluz na divisa entre os estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, mencionou a existência de um catecismo bilíngue elaborado pelo Pe. Francisco e que o teria enviado ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. O conhecimento dessa língua ficou prejudicado pela falta de documentação. Restam apenas algumas listas de palavras.
Alberto Torrezão, responsável pelo melhor material conhecido dos Puris, em 6 de setembro de 1885 encerra suas anotações com os ensinamentos de dois remanescentes dos puris, um já idoso e outro seu sobrinho-neto,  Manoel José Pereira e Antônio Francisco Pereira, que lhe passaram alguns vocábulos desta língua desconhecida, resultando em uma amostra escassa. Nesta ocasião encontravam-se domiciliados em terras dos Srs. Frades, na localidade do Gramma, a três léguas aproximadamente daquele arraial, o Arraial do Abre-Campo em MG.
Com esforço e dedicação podem ser realizadas pesquisas e escavações arqueológicas nos sítios e fazendas por toda região sul capixaba e norte fluminense para resgate de uma definitiva fonte de pesquisa sobre os índios que habitaram a região. Além de é claro fornecer material que confirme que a ocupação do sul capixaba foi diferente de todo os demais pontos do Estado.
                                            
                                                              Índios Coroados
                                 
                                                             Índios Botocudos
Thiago Costa Santiliano